quinta-feira, fevereiro 21, 2008

A MULHER DE VERMELHO

Era uma agradável tarde de sexta. Lázaro sentou-se na mesa do bar, acendeu o cigarro e abriu o jornal. Separou as páginas policiais, de política e economia; não queria ler más notícias. Ficou com as novidades das sessões de esporte e cultura. Entre as notícias da vitória de seu time e a apresentação de um cantor de enorme prestígio, reparou numa mulher sentada na mesa em frente.

Ela estava com um longo vestido vermelho, de tonalidade viva e forte, e batom da mesma cor. Embora o colorido pudesse indicar vulgaridade, o que se via era o contrário. Uma mulher de muita classe, de leveza nos gestos, discrição e serenidade. Suas unhas eram pequenas, e carregavam aquele mesmo tom flamejante que pareciam incendiar vagarosamente as páginas de uma revista que folheava.

O garçom interrompeu sua divagação. Caiu em si e percebeu que não podia ficar no bar por horas lendo o jornal e suspirando por uma desconhecida.

— Uma Brahma por favor!

Voltou ao seu jornal, procurando ansioso pelos quadrinhos. Deu algumas risadas, mas ficou transtornado com a tirinha do Laerte; era impressionante como elas estavam ficando chatas com tentativas infelizes de humor negro. Quando chegou sua cerveja, Lázaro voltou aos seus devaneios com a dama flamejante. Percebeu, que ela parecia retribuir seus olhares, mas o fazia com uma sutileza tal, que não lhe dava qualquer segurança para se aproximar.

Olhou para o relógio atrás do jornal e viu que já haviam se passado quatro cervejas. A mulher continuava lá, impassível, folheando a revista como se tocasse um concerto de Schoenberger. Ficou confuso, não se sentia intimidado, mas também não tinha a coragem necessária para abordá-la. Chamou o garçom e perguntou se ele conhecia a moça.

— Conheço sim Seu Lázaro, mas não sei muito sobre ela. Sei que seu nome é Valquíria. Ela costuma aparecer aqui às sextas-feiras, sempre com esse vestido, o batom e o esmalte vermelho. Alguns homens a acham fascinante, eu já não vejo muita graça não.

Foi quando teve uma idéia. Para abordá-la, precisava de um argumento. O vermelho dava a ela uma aura de mistério, e seria necessário que ele usasse o mesmo artifício. Pediu uma dose de Campari puro e começou a preparar o discurso. Começou a pensar em jogos de palavras e idéias. Vermelho da paixão, vermelho da sedução, não pude deixar de notar a semelhança entre minha bebida e sua roupa, pensou em sangue, em fogo, até em dizer se poderia sentar ao lado dela só para VER MELHOr todo aquele encanto. Quando percebeu, seu copo estava vazio, tinha tomado todo o Campari, e o máximo que tinha conseguido era um gosto horrível na boca, além é claro, de estar completamente bêbado.

Lembrou de Leminski:

Sorte no jogo, azar no amor.
De que me vale sorte no amor
Se o amor é um jogo
E o jogo não é o meu forte
Meu amor?

Resolveu não contrariar a sorte, pagou a conta, vestiu seu paletó, segurou seu jornal amassado e foi cambaleante para casa. Colocou a mão no bolso e achou um pedaço de guardanapo. Nele estava escrito em batom: "Nos vemos amanhã. Ass.: Valquíria". Não cabia em si de tanta alegria, sentia-se como na infância, ao receber um recadinho de sua primeira namorada. Analice era uma lorinha linda, dos olhos azuis, por quem ele suspirava escondido na sala de aula. Uma dia achou uma cartinha perfumada, escrito num papel de carta da Moranguinho algumas palavras que nem mesmo ele se lembrava quais eram.

Mesmo no seu casamento, não sentiu mais aquela euforia. Ele amava sua esposa, tinha três filhos, mas a cerimônia soou como uma etapa a ser cumprida, ou a formalização dela. Sentiu que depois de muito tempo ia se deparar com algo realmente novo, já havia traído a esposa algumas vezes, sendo que em uma delas, o casamento quase ruiu. Mas agora era diferente, Valquíria era uma desconhecida, alguém de quem sequer a voz ele conhecia. Imaginou que ia ser difícil dormir a noite.

Chegou em casa, beijou seus filhos e entrou no quarto. Viu a silhueta da mulher sob os lençóis, e a desejou como nunca. Abraçou a forte, ouviu alguns resmungos dela, algo sobre bafo de cachaça, mas logo ela cedeu. A noite foi longa para os dois, ouviu "Lázaro" em diversos tons, timbres e entonações diferentes, ouviu ela dizer algo sobre o barulho acordar as crianças, ou pelo menos pensou ter ouvido, pois a frase foi interrompida por gemidos.

Ela gozou.

Era a primeira vez que Lázaro fazia a mulher chegar a um orgasmo. Ela se estatelou na cama, ligou o ventilador na potência máxima e dormiu abraçada a ele. Durante a noite Lázaro sonhou com o encontro com Valquíria. E não acordou.

9 comentários:

lcaralho03 disse...

Primeiramente, você comentou no meu blog há alguns séculos e eu não respondi, simplesmente porque havia esquecido do negócio e fiquei sem postar uma cara. Só agora que fui ver. Hehe

Quanto ao texto...
Acho que as vezes a gente espera tanto, e ansiosamente por algo novo, que nem nota quando algo novo, mesmo que pequeno, acontece.
Seu texto prova que o álcoolajuda nesses casos.
Gostei do texto, e principalmente, por ele ser despretensioso e divertido. E por falar uma grande verdade: Campari é ruim demais.

mari lou disse...

belo conto, moço.

gostei da maneira verdadeira como você trabalhou o personagem. é como eu pudesse encontrá-lo por aí, em qqer esqina: teve amantes, amores d criança, toma brahma e fica bâbado qdo mistura as bebidas, ama a esposa apesar d axar a instituição do casamento um saco. tem uma rotina, etc.

acho q a esposa é q ñ ficaria mto satisfeta se soubesse a fonte inspiradora d tanto fogo: o vermelho da mulher.

vejo nos seus textos mta simbologia: a mulher, o vermelho, os espelhos. qual seria a cor q simbolizaria a esposa do cara? o vermelho representa o perigo, o desconhecido, o fogo da coisa inesperada, perfeito pra cor da amante.

adorei o fim do conto. um fim q deixou uma espectativa gostosa e espaço para o leitor criar o encontro (ou ñ) do personagem principal com o vermelho.

bom.

um bjo.

Tânia disse...

Nossa, que impactante!
Gostei !!! Ainda mais da mulher.. ela parece, bem, não era apenas uma mulher, tinha algum significado maior.
(Pra mim, a interpretação é livro, tô certa!!!!!) ahuhuaauhuahua
Quanto ao fato dele esperar e não acordar, bem, ele é burro. Foi burro, porque nós somos burros. deixar pra amanhã dá nisso!
uahhuahua beijooooooooo

A TrupE disse...

Mulheres de vermelho estão em toda a parte. Só alguns conseguem segurar as suas.
Um texto bem escrito, sem muita mudança de ritmo, enfim. Eu sempre leio o que você escreve, e como eu coloquei você no meu blog decidi fazer um comentário.
=]
Ah, se quiser ver o meu blog também. E não precisa comentar se não quiser...

Alef disse...

Curti o texto. Pra quem disse que não acreditava em amor à primeira vista, descreveu bem um caso que se aproxima disso...

É um texto bem dramático, nem por ele não ter acordado mais, isso é o de menos, mas porque depois de 3 filhos ele nunca tinha conseguido um orgasmo na mulher! Isso foi o mais impactante no texto na minha opinião.

Abraço

Anônimo disse...

...

divão disse...

Gostei do texto chapolim, muito bem elaborado e nos envolve... da até pra imaginar o local e as pessoas...
muito bom mesmo...
abraços companheiro

Elvira Hanckok disse...

Nossa, viajante o modo que vc escreve. Lendo tudo isso, todo esse enredo eu cheguei a uma conclusão, pelo menos ele deu uma no final. hehe
mas parabéns muito bom seu conto.

Anônimo disse...

passei por aki pra ler as tuas historias e deixar um abraco..
flw vei!