quinta-feira, abril 30, 2009

Recursos Humanos


Atenção, trata-se de obra ficctícia. Qualquer semelhança com pessoas ou fatos reais terá sido mera coincidência.


Ernesto colocou o porta-retrato com as foto dos filhos na caixa, deu um suspiro e deixou cair uma lágrima. Não conseguia acreditar que vinte anos de empresa cabiam naquele cubo de papelão. Terminou de se despedir dos colegas e foi para casa. Apesar de tudo, procurou erguer a cabeça, afinal, era um conceituado diretor de recursos humanos, tinha cases de sucesso no currículo, cursos no exterior. Propostas não faltariam. Tudo o que queria era curtir os filhos e a esposa durante um tempo, depois retomaria sua carreira de sucesso e faria a empresa se arrepender de tê-lo cortado.

A família entendeu sua situação e até ficaram animados. A empresa tivera seu corpo, sua mente e alma por longas duas décadas, agora era a vez deles. Tinha três filhos, Armando, de 16 anos, Clara de 11 e o caçula Josué com 5. Sentiu uma ponta de arrependimento por ter ficado tanto tempo ausente, não os vira crescer. A lembrança do mais velho no berço, chorando e tirando suas noites de sono era muito recente. E assim passou os dois primeiros meses, brincando com os filhos, levando eles à escola, ao parque no final de semana e dando aquela ajuda para sua esposa nos trabalhos domésticos.

No terceiro mês, Ernesto começou a mandar alguns currículos. Estava tranqüilo, tinha certeza que teria pelo menos mais um mês para analisar as propostas e escolher uma que estivesse à sua altura. No entanto, o tempo foi passando e ele não recebia respostas. Preocupado, resolveu ativar seu networking. Contatou antigos colegas, alguns que lhe deviam favor, mas não teve sucesso. Normalmente eles usavam a crise como desculpa, mas como ex-diretor de recursos humanos ele sabia que sua idade já pesava. Nas poucas entrevistas que conseguiu, brigou com o selecionador, por entender que ele estava usando técnicas absurdas, ultrapassadas, incapazes de avaliar seu potencial.

A rotina doméstica começou a irritá-lo. A correria dos filhos antes de ir para a escola, que vez por outra terminava em atraso e bronca dos professores. As crianças viviam brigando, se colocando apelidos e vez por outra vinham com bilhetinhos dos professores nas agendas escolares por bagunça ou lições não feitas, fora os brinquedos espalhados pela casa. O mais velho acumulava uma pilha de roupas sujas, cada vez que saía, vestia uma camiseta diferente. Se incomodava com a esposa que ia ao mercado da esquina todo dia ao menos umas três vezes antes do almoço, sempre esquecendo de comprar algo porque encontrou a vizinha por lá e ficou papeando. Ernesto era um inútil, durante vinte anos, cuidou de equipes gigantescas, contratando, demitindo, criando e extinguindo cargos e setores, organizando palestras e até definindo o leiaute dos escritórios. No entanto, percebeu que era incapaz de organizar sua própria casa.

Teve um estalo, aquele era o desafio que ele tanto procurou na vida. Conseguir cuidar da própria casa daria a motivação que ele precisava para voltar ao trabalho. Reuniu a família para comunicar sua decisão.

— Caros colaboradores! Tenho percebido que os índices de produtividade dessa família vêm caindo a níveis surpreendentes. Tenho percebido todos vocês desmotivados e trabalhando de maneira caótica. Elaborei alguns relatórios nessas últimas semanas e decidi que vamos fazer uma Reestruturação Organizacional!

A família continuou quieta. Não sabiam se o pai havia enlouquecido ou estava apenas fazendo uma brincadeira, treinando para alguma entrevista. Apesar de não entender, Armando não gostou do tom do pai:

— Pai! Que história é essa de colaboradores, reestruturação, você está de palhaçada com a gente? Eu no MSN trocando idéia com uma puta gatinha e você me tira de lá para vir com essa conversinha...

— A partir de hoje vocês não me chamam mais de Pai! Sou o CEO dessa casa, todas as decisões vão passar por mim. Delegarei tarefas a todos vocês, definirei de que maneira vocês farão e como serão recompensados por isso.

Clara soltou um sorriso e perguntou:

— Recompensa pai! Você vai aumentar nossa mesada?

— A partir de hoje vocês não recebem mais mesada. Serão remunerados por produtividade. Terão metas a cumprir, se cumprirem todas, irão receber mais do que o dobro da mesada que recebem hoje, além de outros bônus como brinquedos, ingressos para o cinema e você Armando, se atingir suas metas, poderá ir para a balada com os amigos.

A esposa entra na conversa:

— Que história é essa de colocar metas para os seus filhos, Ernesto? Você está indo longe demais, isso não é um departamento de vendas de uma multinacional.

— Para os meus filhos não querida, agora todos aqui somos colaboradores. Se trabalharmos em equipe, todos ganharemos. E você também terá que atingir metas se quiser trocar o fogão ou a geladeira. Aliás, o termo “esposa” está ultrapassado, remete a uma cultura medieval, centralizadora, que não combina com as técnicas de gestão do mundo pós-moderno. Você será agora a Vice-Diretora de Gestão Organizacional.

— Armando, por ser o mais velho, você vai ser meu Executivo Sênior. Espero de você um perfil pró-ativo, dinâmico e com capacidade de resolver conflitos.

— Corta essa Velho!

— E tem mais! Se eu encontrar maconha nas suas coisas mais uma vez, vou cortar todas as suas bonficações!

— Clara, pelas peças que você prega nos seus irmãos, percebi que você é muito criativa e orientada para resultados. Por conta disso, você será minha Diretora de Planejamento Estratégico. Você definirá os rumos da casa, os horários do banho, do jantar e das lições. Se cumprir as metas do primeiro mês, ganhará seu primeiro sutiã.

E Ernesto fez valer sua experiência no mercado. A empregada passou a ser chamada de Gerente de Conservação de Patrimônio, e o cachorro de Mascote Aprendiz. Os cômodos da casa foram rebatizados de acordo com sua utilidade nas decisões da casa. A cozinha era Sala de Reuniões, o banheiro Departamento de Marketing e a sala Área de Convivência. As metas envolviam as notas na escola e no curso de inglês, estrelinhas de bom menino para o caçula, desempenho do mais velho nos jogos de futebol do time do bairro. As metas da esposa, ou melhor, Vice-Diretora de Gestão Organizacional passavam por fazer a empregada trabalhar ao invés de ficar batendo papo com ela e no fim das contas fazer quase todo o serviço. Também incluía o sexo, com bonificações para posições mais criativas e realização de fantasias. Além disso, Ernesto decidiu inventariar todos os móveis da casa, e trimestralmente fazer uma auditoria.

Certo dia, Clara chegou com um bilhete da professora, se demonstrando preocupada com a redação que ela havia escrito com o tema “Minha família”.

— Mas a redação está ótima filha, eu mesmo ajudei você a fazer. Não faz sentido ela dizer que você está inventando nomes absurdos para os membros da família. Vou pedir a ela um feedback sobre o assunto. Ah, e avise que agora ela não é mais professora e sim Assistente de Desenvolvimento Complementar.

Não deu muito certo. Dias depois, após uma reunião com a diretoria da escola, Ernesto resolveu que ia contratar uma nova empresa terceirizada para cuidar da Educação Corporativa.

Seguiram-se os dias, semanas e meses. As metas passaram a ser cumpridas e todos na família estavam satisfeitos com suas bonificações. A esposa, que ficava o dia todo no pé da empregada e se sujeitava a posições que antes julgava vulgares, havia ganhado um fogão e geladeira novas, além de jantares em excelentes restaurantes, e noitadas em motéis maravilhosos. Armando, com as melhores notas na escola e artilheiro do time do bairro, alternava as baladas com churrascos para seus amigos em casa, ganhou um videogame novo e uma mesa de pembolim. Clara, a responsável por manter a equipe motivada, não só ganhara seu sutiã, como um conjunto de maquiagem e sapatos de salto alto. Até o caçula Josué, o mimo das tias da escolinha, colecionador de estrelinhas, se esbaldava com seus novos brinquedos.

Mas algo ainda faltava a Ernesto. O dinheiro que havia ganhado da rescisão com a antiga empresa, acabou e ele estava endividado. Um amigo contador observou que seus gastos haviam triplicado desde que ele saíra da empresa. E por mais que ele se sentisse motivado, não conseguia emprego de jeito nenhum. Ao ver a esposa alternando posições estrategicamente e gemendo de maneira mecânica na cama, ele começou a brochar. Falido, impotente e com uma família que fazia tudo pensando em presentes e dinheiro.

Um dia, chegou em casa e viu que o cachorro, quer dizer, Mascote Aprendiz continuava lhe recepcionando com latidos e o rabo abanando. Olhou para a empregada, ou melhor, Gerente de Conservação de Patrimônio, que não recebia qualquer bônus, e fora obrigada a trabalhar dobrado, com a mesma dedicação e respeito que sempre tivera pela família.

Seria o fim de um projeto ambicioso?
Ernesto deu a volta por cima. Enxugou a estrutura administrativa da sua empresa, demitiu esposa e filhos, se mudou para uma casa menor com o cachorro, e a empregada, com quem se casou. Escreveu um livro chamado “Produtividade em Família”, que se tornou um best-seller de auto-ajuda. Hoje é um renomado consultor de recursos humanos e viaja o mundo dando palestras.

8 comentários:

Adriano disse...

legal mas na proxima escreve um texto menor, para ninguem cansar de ler e desistir de comentar!!!!!

Vlw

Abraços!!

Thiago disse...

rssss
bem legal.. .

e concordo com o adriano, na proxima escreve um texto menor =D

Anônimo disse...

hahahaha meu deus que final ahahhahahahaha muito tragico! mas é aquele negócio "criei um monstro". muitasssssssssssss vezes na vida a gente n entende o comportamento das outras pessoas e qdo vamos procurar o XIS da questão, qdo jah estamos por fora, ai sim..enchergamos q a culpa de tal ação foi por nós exigida sem q sequer percebessemos; isso acontece e é realmente mto frustrante, fazer das pessoas nosso experimento particular. q foi o caso ai do ernesto...

10 novamente.
bjos

tânia

Homenzinho de Barba Mal feita disse...

Como sempre excelente!!!
Muito legal essa crônica, parabéns!!!

Inez disse...

Muito legal seu texto, em parte é uma realidade.
O indivíduo se dedica durante muito tempo a uma empresa, um belo dia a empresa não precisa mais dele, ai vem a frustração de saber que tem um belo curriculo, mas a idade atrapalha. infelizmente no Brasil passou dos 30 anos já é velho para o mercado de trabalho.

Dennisy Silva disse...

Adorei os trocadilhos propositais da "empresa/família". Não concordo com os comentários acima, de texto logo. O importante é que ao começar a ler você consegue prender o leitor. Parabéns pela história, adorei o final, grande revira-volta.

Dennisy S.

Frida f5 disse...

Opa! Você andou visitando meu blog e 'convidou' a entrar no seu, muito legal o seu trabalho.

Sobre o Skylab, tenho acompanhado seu blog e estou virando comentadora assídua! Tem gente que acha que o trabalho pautado no grotesco ou no bizarro é simplesmente uma questão humiorística, mas tudo isso tem uma fundamentação estética profunda. Os Bufões que o digam!

Abraço,
Flávia

Anônimo disse...

Enfim , um final feliz!!
Parabens pelo texto.
Ingrid