quinta-feira, dezembro 25, 2008

Narciso II

Caros colegas que compartilham comigo esse pedaço de devaneio. Para que entendam essa história, eu teria que lhes contar muito sobre meu passado, as minhas desilusões, angústias e desejos. Apesar de lhes relatar em prosa, sou um poeta, portanto tudo o que depuser acerca de meus sentimentos, virá aumentado em pelo menos oitenta vezes (começando o exagero por esse número), quando não completas quimeras. Não perderei então seu tempo, explicando com mentiras e clichês, uma história que por si só já é cheia deles.

Apresento a vocês então minha morada. Não é grande coisa, na verdade é um pequeno quarto. Estou aqui há alguns anos, ou quem sabe algumas poucas horas. Não sei que dia é hoje, nem se o que lhes conto aconteceu há alguns dias, hoje ou está para acontecer. Em meus devaneios, certa vez um anjo disse que o futuro era apenas uma previsão do presente. Encare isso como uma profecia.

Quando vim para cá, decidi que tudo o que precisava era de um espelho. Imaginei que olhando para ele durante horas, descobriria o grande segredo, algo que há muito se alojara dentro de mim e carregava todas as respostas que eu procurava. Com o tempo, a idéia do espelho se tornou uma obsessão, li e reli a lenda de Narciso, e inclusive a reescrevi inúmeras vezes. Jamais consegui aceitar que aquilo se tratava de uma parábola sobre a vaidade e insensibilidade. Para mim, Narciso não se jogou no lago por paixão ao seu reflexo, e sim por medo do segredo refletido após seus olhos tornarem óbvia sua própria imagem externa.

A verdade é que naquele momento pouco me restava. O desgosto se tornara senhor de mim, e ainda que minha sina fosse o suicídio narcisista, eu precisava encontrar a origem de meus tormentos. Passei tanto tempo à frente do espelho, que era capaz de descrever com precisão, o movimento de todos os músculos que usava na respiração. Conhecia cada traço de minha face, a espessura precisa de meus lábios, e contara até o número de cílios. Só não havia descoberto minha alma ainda.

Com o tempo, trouxe mais um espelho, que posicionei estrategicamente, de maneira que pudesse ver minhas costas. Em pouco tempo, o quarto estava cheio de espelhos, dispostos aleatoriamente, por todas as paredes, no piso, no teto. Trouxe também algumas lâmpadas, velas, lampiões e tudo que pudesse iluminar melhor o ambiente. Se ao ler minha descrição, imaginou uma daquelas salas cheias de espelhos dos parques de diversões, esqueça. Minha casa se tornou algo muito mais assustador, por onde eu passava eu via meu reflexo, e por vezes, me pegava andando em ziguezague, temendo esbarrar em algum dos meus inúmeros clones.

Eu só queria saber a origem da minha angústia. Não havia psicanalista, monge ou guru de auto-ajuda que tivesse conseguido me levar a essa resposta. E eu estava ali sentado, achando que centenas de espelhos me diriam algo. Desarvorado, fui ao único móvel da casa que não tinha dado lugar a espelhos. Abri a gaveta do pequeno criado mudo e tirei duas fotos. Uma delas era do grande amor do meu passado, a única que me fez acreditar que meus exageros de poetas eram a realidade. A outra foto mostrava a perfeição, a mulher que ao primeiro olhar, decidi que devia me apaixonar. Ela me fez calcular cada passo numa clara tentativa de manipular o destino para que ela me bastasse. Eu era feliz nessa megalomania, até que resolvi me trancar nesse quarto, temendo ela fosse simplesmente mais uma de minhas hipérboles.

Acendi uma das lâmpadas, logo acima de minha cabeça, afim de ver melhor as fotos. Ambas pareciam tão semelhantes, sem ao menos ter qualquer traço físico em comum, o que me fez buscar outra luz, e analisar com cuidado aquelas feições. Num impulso obssessivo, acendi todas as lâmpadas, velas e lampiões do lugar, até que luz me cegasse. Ainda pude ver uma pequena chama crescer e consumir ambas as fotos. Eu sequer conseguia encontrar a saída do quarto, e as únicas lembranças do mundo estavam destruídas. Eu estava condenado a passar o resto dos meus dias, escravo dos meus reflexos.

Antes do fogo consumir as fotos, notei que o rosto de ambas estava por todos os espelhos, que no zigue-zague da luz os apresentava de modo confuso, ora maiores, ora menores, quando não completamente difusos. E enquanto o fogo foi tomando o lugar delas, vi alguém no meio da sala. Obviamente era só uma ilusão, causada pelas luzes ricocheteando pelos espelhos, mas era maravilhoso.

A imagem era confusa, mas aos poucos fui percebendo uma linda mulher dançando, com um longo e deslumbrante vestido. Parecia uma salsa, ou um tango, ainda que dançasse sem par. Sem que eu me desse conta da metamorfose, não havia mais vestido, e sim uma calça jeans, e ao invés de dançar, ela pulava como estivesse em um show de rock. E a ilusão girava em torno de si, era uma mãe de santo, ou uma sóbria executiva, inerte dentro de um tailleur. Seus cabelos ora eram longos, ora curtos, quando não inexsitentes. Ela foi se aproximando, com olhar penetrante ou fugidio, ora decidida, ora dissimulada, imponente, frágil, carente, dominadora, uma completa cigana, uma freira, empregada doméstica ou atriz, Foi Carmen e Capitu, Madre Tereza, Pagu.

Ela me chamava, implorava, deprezava, fugia, foi verbo e adjetivo, imperativo, condicional, aidética, leprosa, sifilítica, esquizofrênica, bipolar, deprimida, zen, puta e nerd. Foi uma ilusão maravilhosa, tão surreal quanto verossímil. Quis passar o resto da minha existência naquela devaneio e fui ao seu encontro. Transamos tão loucamente, que meus milhares de reflexos gozaram ao mesmo tempo. E tudo acabou lá, entre cacos de vidro, fogo, sangue e pôrra.

2 comentários:

Anônimo disse...

Olá!Achei o blog lah no orkut!

Legal!!É vc mesmo q escreve??

Carina

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Unknown disse...

wow...
this was weard...
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